quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Reposição eletrolítica: o que todo médico deve saber - parte I

Um dos temas mais comuns na prática da medicina de emergência é, sem dúvidas, a reposição eletrolítica. Obviamente o paciente não nos diz que está lhe faltando sódio ou potássio, isso deve ser suspeitado de acordo com sinais e sintomas que o mesmo apresente (mais difícil, pois muitas vezes o paciente está assintomático), e de acordo com a doença que o fez procurar atendimento médico no SEU plantão.
É comum o desconhecimento dos protocolos de reposição, mesmo pelos médicos mais experientes, que muitas vezes fazem reposição às cegas, aumentando os riscos de iatrogenias.
Pra tratar do tema, preferi começar pelos distúrbios do potássio, que são de manejo relativamente mais simples. O protocolo apresentado aqui é um resumo sucinto do tema, e está de acordo com o livro Emergências Clínicas da USP, 7a edição.


HIPERCALEMIA (K>5,0mEq/L)
-          Causas: acidose metabólica, medicamentos (AINEs, BRAs, IECA, beta-bloq, espironolactona, intoxicação digitálica, heparina, trimetropim...), hemólise (descartar erros na coleta), doença de Addison, rabdomiólise, síndrome de lise tumoral...
-          Tratamento depende da severidade da hipercalemia e da condição clínica do paciente
-          CONDUTAS:
o   HiperK leve (5-6mEq/L):
§  Sorcal 30g VO diluído em 100mL de manitol 10 ou 20% (8/8 a 4/4h). Dobrar S.N.
§  + (Opcional): solução polarizante: Insulina regular 10 U IV + 50g de glicose (SG10%: 500mL) até 4/4h
§  Furosemida pode ser indicada
§  Bicarbonato pode ser útil nos casos de rabdomiólise
o   HiperK moderado (6,1-7) ou grave (>7)
§  Sorcal 30g VO diluído em 100mL de manitol 10 ou 20% (8/8 a 4/4h). Dobrar S.N.
§  + Solução polarizante: Insulina regular 10 U IV + 50g de glicose (SG10%: 500mL) até 4/4h
§  + Inalação com β2: salbutamol ou fenoterol – 10gts até de 4/4h
§  Hemodiálise e furosemida podem ser indicadas
§  Bicarbonato pode ser útil nos casos de rabdomiólise
o   Gluconato de Cálcio 10% se alteração no ECG compatível com HiperK (não importa niveis séricos!!): diluir 10-20mL em 100mL de S.F. ou S.G. e infundir em 5 min
§  Repetir ECG
·         Não resolveu alteração? Repetir dose!
o    OBS: Caso haja vômitos, administrar Sorcal via retal, neste caso deve-se dobrar a dose


HIPOCALEMIA (K<3,5 mEq/L)
-          Causas: alcalose metabólica, medicações (insulina, beta-adrenérgicos, teofilina, cafeína, B12, diuréticos de alça e tiazídicos, anfotericina B, Penicilina), tireotoxicose, diarréia, vômitos, hiperaldosteronismo, sudorese escessiva
-          Tratar doença de base e sintomas (desidratação, vômitos, diarréia...)
-          TRATAMENTO DA HIPOCALEMIA:
o   Cada 1mEq/L de redução no sangue, representa um déficit corporal total de 150-400mEq (considerar 300mEq)
o   Preferir via oral (01 comp=6mEq). Dose= 1-2 comp., 3-4 vezes ao dia após refeições. Alternativa: xarope a 6% (15mL tem 12mEq). Dose=10-20 mL 3-4x/dia após refeições
o   KCl 19,1% (IV) (1mL tem 2,5mEq. 01 ampola tem 10mL ou 25mEq)
§  Velocidade ideal de reposição: 5-10 mEq/h (01 ampola em 3 horas)
§  Velocidade máxima: 20-30 mEq/h (01 ampola/hora)
§  Após normalização sérica, continuar reposição oral por semanas

OBS: De maneira geral, a reposição venosa deve ser preferida sempre que K<3,0mEq/L. Uma vez iniciada a reposição e atingido esse nível, passar para a reposição oral, mesmo o paciente ainda internado.

                                       Um abraço
                                            Seu mentor, #RaceHORSE

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Diagnóstico diferencial: Sinal de Romaña, Celulite Orbitária e Celulite Periorbitária


O sinal de Romaña, muito conhecido de todos, tem sua gênese na forma aguda da Doença de Chagas que apresenta-se, via de regra, oligossintomática especialmente em áreas endêmicas onde a grande maioria dos casos passa desapercebidamente por médicos e pacientes, apenas com febre inespecífica. 
Crianças, especialmente abaixo dos 2 anos de idade, apresentam sintomatologia mais rica, com comprometimento do estado geral entre outros sintomas. Nos casos de transmissão vetorial, podem aparecer sinais de porta de entrada ou chagomas de inoculação, sendo o complexo oftalmo-ganglionar ou "sinal de Romaña" o mais balado deles. Trata-se de edema bipalpebral unilateral com adenopatia satélite pré-auricular que corresponde a reação imunológica do hospedeiro à penetração do Tripanossoma na conjuntiva e adjacências. Embora altamente chamativo, este sinal é muito raro já que está presente em menos de 10% dos poucos casos de Doença de Chagas aguda relatos.
O complexo oftalmo-ganglionar ganhou seu epônimo em homenagem a Cecilio Romaña, pesquisador argentino que foi o primeiro a descrevê-lo. O diagnóstico diferencial deve ser realizado com as seguintes afecções: Miíase, conjuntivite bacteriana, reação local a picada de insetos (inclusive barbeiro), traumatismos e celulite orbitária. Outros chagomas de inoculação podem aparecer em praticamente qualquer parte do corpo, sendo comum a presença de micro poli-adenopatia. O quadro geralmente tem resolução espontânea em semanas.

Este sinal está bem demonstrado na FIGURA 2.

Celulite Orbitária e Celulite Periorbitária:
Celulite orbitária e periorbitária diferem entre sí em localização anatômica e quadro clínico. 

A celulite periorbitária é também chamada de celulite pré-septal, pois está contida entre a pele palpebral e o septo orbitário, que promove uma efetiva barreira contra infecções oculares. O tecido periorbitário pode ser infectado por traumas (incluindo picadas de insetos) sendo o agente mais comum o S. aureus; infecções locais (dacriocistite/blefarite); ou infecções respiratórias e bacteremia por H. influenza tipo B. O quadro é de edema de rápida evolução ao redor dos olhos e eritema local, febre e leucocitose podem estar presentes, mas a visão está totalmente inalterada, não há proptose nem dor à movimentação ocular, ou seja: a celulite periorbitaria não afeta nenhuma função ocular, sendo esta a principal diferença clínica, já que a celulite orbitária pode rapidamente causar cegueira. A celulite pré-septal será tratada com antibióticoterapia oral ou venosa, com recomendação de internamento hospitalar devido ao risco de sepse. Complicação clássica da celulite pré-septal é justamente tornar-se uma celulite orbitária, causando perda visual ou todas as consequências desse quadro.Seguem imagens compatíveis com quadros de celulite pré-septal: 


A celulite orbitária é pós-septal com envolvimento da órbita. Excluindo casos de trauma penetrante, ocorre como complicação de sinusite em 90% dos casos, pois a órbita encontra-se em contato muito próximo aos seios paranasais frontal, etmoidal e maxilar. Na celulite periorbital pós traumática, os agentes mais freqüentes são o S. aureus e o S. pyogenes. Naquelas resultantes de bacteremia, predomina a infecção pelo pneumococo. O exame físico demonstra proptose junto a edema periorbitário, quemose (edema da conjuntiva bulbar), oftalmoplegia ou restrição à motricidade ocular e dor à tentativa de mobilização, além de queixa de diminuição de acuidade visual. O edema palpebral pode ser tão exuberante a ponto de impossibilitar a visualização do olho acometido. O aumento da pressão na cavidade orbitária pode levar a rápida deterioração do nervo óptico, causando amaurose total no olho acometido. Pode ocorrer trombose do seio cavernoso, com cefaleia importante, náuseas, vômitos e toxemia. Exames complementares incluem raio-x de seios da face e Tomografia de crânio. O tratamento requer antibioticoterapia venosa e drenagem cirúrgica de sinusite ou abcesso orbitário.  As complicações da celulite orbitária incluem doença corneana, retinite, uveíte, neuropatia óptica, endolftalmite e ruptura de globo ocular.
A celulite orbitária está bem ilustrada nas FIGURAS 1 e 3

Após esclarecimento sobre cada um dos diagnósticos, podemos considerar os sinais de flogose e acometimento ocular como principais fatores diferenciais entre os 3 quadros descritos, além da história clinica e evolução.

A escolha do tema foi motivada pela questão 13 da prova da USP de 2013.
Para maiores informações considerar leitura das fontes utilizadas ou outras referências.
Para correções ou discordâncias: estamos atentos aos seus comentários sem problemas com anonimato.



Fontes e Referências:




#HenryJekill

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sinal de Romaña, Celulite Orbitária e Celulite Peri-Orbitária: Como diferenciar

Esta é a primeira postagem do blog. Importante salientar que não se trata de um espaço destinado a informações médicas para leigos ou muito menos para discussões aprofundadas de especialistas.

Este blog foi criado para publicações sucintas que definam diagnósticos diferencias, condutas bem definidas na literatura, sinais e sintomas clássicos de apresentações patológicas, com o objetivo de ser um espaço para expansão do conhecimento médico necessário no momento atual para provas de residência.

Dito isto, passaremos ao primeiro caso de diagnóstico diferencial.
Como diferenciar sinal de Romaña, celulite orbitária e celulite peri-orbitária.


Seguem imagens dos quadros. Resposta na proxima publicação.